O que funciona e o que não funciona para reduzir homicídios e roubos no Brasil

O que funciona e o que não funciona para reduzir homicídios e roubos no Brasil

As Revisões Sistemáticas são uma ferramenta muito potente para produzir evidências. Através de uma busca estruturada nos grandes bancos de artigos e trabalhos científicos as Revisões tem a capacidade de apresentar o estado da arte sobre um determinado tema.

Na área de prevenção a violência e segurança pública, dezenas de Revisões Sistemáticas já foram produzidas, dando informações de forma simples e objetiva para os profissionais da área construírem melhores programas.

No entanto nenhuma Revisão Sistemática tinha sido feita no Brasil, e na verdade em toda a América Latina até hoje, em relação a crimes violentos.

O Diretor Executivo do Instituto Cidade Segura, Alberto Kopittke, elaborou uma Revisão em sua Tese de Doutorado, em parceria com sua orientadora, Marília Patta Ramos. Os resultados foram publicados essa semana na Revista de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, uma das mais importantes revistas científicas de políticas públicas do país.

Foi a primeira revisão sistemática já feita no país para sistematizar as evidências que já foram produzidas no país sobre o que funciona e o que não funciona para reduzir homicídios, roubos e estupros.

O resultado surpreendeu aos autores pois eles encontraram um número de programas que já foram avaliados com metodologia de alta qualidade muito maior do que imaginavam. Após revisarem mais de 13 mil estudos, a revisão encontrou cento e vinte avaliações de impacto feitas, sendo que 41 preencheram todos os requisitos metodológicos necessários para serem incluídas na revisão.

A força dos resultados das revisões sistemáticas é que ela faz uma pesquisa muito abrangente e apresenta de forma transparente os critérios que serão utilizados para incluir os estudos. No caso das Revisões feitas para analisar a efetividade dos programas, são incluídos apenas os chamados experimentos, em que os grupos que recebem a intervenção e o que não recebem são sorteados antes do programa, e os quase-experimentos, que usam métodos estatísticos de alta qualidade. Esses são os únicos tipos de estudos capazes de avaliar o impacto produzido por uma determinada intervenção, como as vacinas no caso da saúde ou os programas de Segurança Pública.

O estudo mostrou que, embora o Brasil ainda esteja num estágio atrasado em relação a diversos países do mundo, o país já tem bastante conhecimento acumulado sobre o que precisa ser feito, especialmente em relação a homicídios. Algumas metodologias já foram implementadas por diversos estados e municípios e sempre apresentam resultados positivos.

A revisão indicou que pelo menos sete tipos de programas possuem fortes evidências científicas de que funcionam para reduzir os homicídios, outros oito programas são promissores, seis possuem resultados indefinidos, onde não é possível saber se eles auxiliam a reduzir os homicídios e dois programas possuem evidëncias suficientes para que seja possível afirmar que eles não funcionam para reduzir homicídios.

Conheça mais sobre os programas que funcionam:

  • Gestão Por Resultados:

A gestão por resultados é uma das experiências mais difundidas no Brasil, com diferentes programas que já foram ou ainda são implementados em pelo menos dez estados. O modelo foi inspirado no Compstat de Nova York, mas se transformou no Brasil pelo fato das polícias serem estaduais e da existência de duas forças em cada estado. A gestão por resultados se tornou uma referência de modelo de gestão, geralmente com a coordenação direta dos próprios governadores, orientado por indicadores e metas, utilização intensiva de análise criminal e forte articulação entre as forças de segurança.

Pelo menos treze avaliações de impacto já foram feitas sobre o modelo de gestão e todas encontraram que a sua implementação produziu queda de média a forte nos índices de homicídio. Os estudos incluídos na revisão sistemática avaliaram o Programa Integração da Gestão em Segurança Pública (IGESP), de Minas Gerais e o Programa Estado Presente, do Espírito Santo, os quais provocaram queda no número de homicídios, entre 9% e 17%.

  • Fica Vivo!

O programa Fico Vivo! é um programa de prevenção a violência que já é implementado de forma continua há 20 anos em Minas Gerais. O programa começou como uma iniciativa do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP/UFMG) em 2001, e mais tarde se tornou política pública do estado. As atividades do programa são realizadas em territórios com altos índices de homicídio, implementando metodologias de aplicação da lei e de prevenção a violência, em especial junto a jovens, de forma coordenada no território.

O Fica Vivo! é hoje um dos mais avaliados programas brasileiros de prevenção à violência, com nove avaliações de impacto já realizadas. Todos os quatro estudos incluídos na revisão concluíram que o programa reduz substancialmente os homicídios nas áreas que o recebem e que esse resultado aumenta ao longo do tempo.

  • Restrição do horário de venda de bebida alcoólica:

No início dos anos 2000, a Região Metropolitana de São Paulo estabeleceu restrição de horário de venda de bebida alcoólica à noite em 16 municípios. Medidas como essa, fazem parte de um eixo preventivo, conhecido como prevenção situacional, no qual abordagens têm o foco de reduzir as oportunidades de se cometer crimes.

Três estudos concluíram que a medida provocou redução de 10% a 20% no número de homicídios, mas destacaram que a fiscalização efetiva foi um fator essencial para o alcance dos resultados positivos.

  • Estatuto do Desarmamento:

Nove estudos avaliações de impacto já foram realizadas no país para avaliar o impacto do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) que restringiu fortemente o comércio de armas de fogo no país e proibiu o porte para a grande maioria da população.

No total oito desses estudos concluíram que o Estatuto reduziu significativamente o número de homicídios. Desses estudos, dois preencheram os critérios metodológicos de inclusão e concluíram que o Estatuto do Desarmamento provocou queda estimada em torno de 12,5% nos índices de homicídios no país, sem provocar um aumento dos homicídios provocados por outros instrumentos.

  • Policiamento de proximidade em comunidades conflagradas – Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs):

O programa de segurança pública de UPPs foi implementado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro em preparação para a Copa do Mundo FIFA de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016. Entre 2008 e 2014 foram instaladas 38 UPPs, com quase 10 mil policiais, atendendo a um total de 700 mil habitantes.

Pesquisadores de três estudos incluídos na revisão sistemática encontraram que as UPPs provocaram um impacto muito expressivo nas mortes provocadas pelas policiais, que sofreram uma redução média de 60% a 78%, o que representa uma queda de 900 mortes por ano no estado do Rio de Janeiro. O programa teve maior êxito nas comunidades menores, bem como nas comunidades com menor nível de vulnerabilidade social.

  • Guarda Municipal:

Quatro estudos concluíram que as cidades que criaram Guardas Municipais, tiveram uma queda importante no número de homicídios, em torno de 15%. O efeito de criação das Guardas Municipais foi maior nos municípios entre 20 e 99 mil habitantes.

  • Lei Maria da Penha:

Trës estudos avaliaram o impacto da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340 de 2006),  sobre os feminicídios e concluíram que a aprovação da lei resultou numa redução de 10% a 19% sobre os homicídios de mulheres no Brasil.

Acesse a íntegra do Artigo publicado na Revista da FGV aqui.

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